Vida comunitária em tempos de pandemia!
A exigência de
quarentena nestes tempos de pandemia tem impactado de forma significativa as
atividades pastorais da Igreja. Os encontros formativos, a catequese, as
atividades de articulação em vista da evangelização, e tantas outras ficaram,
suspensas. A questão que se coloca é como retomar essas atividades que
explicitam a identidade da Igreja e em que situação serão retomadas. Partilho
aqui os desafios quanto à vida comunitária, a participação nas celebrações, a
catequese e outras atividades essenciais da Igreja.
O estímulo das
nossas comunidades está na oportunidade do encontro. A fé é vivida e proclamada
a partir da experiência comunitária em meio a tensões, conflitos, alegrias e
realizações. Neste contexto a evangelização vai acontecendo. Ela tem a força da
palavra, o alimento da eucaristia e o testemunho dos cristãos, isto porque a
Igreja é comunidade e a comunidade torna visível a Igreja (CNBB, 2014). A
possibilidade de encontros ainda é limitada. Esta situação condiciona em
demasia processos importantes à vida comunitária. Um dos desafios que desponta
consiste em recuperar o sentido da pertença e participação na vida comunitária,
uma tradição que não pode ser esquecida sobre o risco da perda de um dos
elementos estruturantes da Igreja.
Junto com o
cancelamento das atividades pastorais que explicitam o ser e o agir da Igreja, foi
novidade impedimento das celebrações com o povo de Deus, no começo da pandemia;
e as restrições quanto ao número de participantes, nos dias atuais. As
orientações divulgadas visam inibir a proliferação do COVID 19, medida salutar
que deve ter todo o apoio da Igreja. Depois de três meses de quarentena alguns
valores, caros à vida comunitária, estão se transformando.
A tradição cristã tem no encontro comunitário
para celebrar a fé um momento importante, como afirma o texto dos Atos dos
Apóstolos: eles mostravam-se assíduos ao
ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações.
(At 242). A experiência de comunhão na mesma fé, em lugares onde os cristãos
eram minoria, se explicitava no encontro para a celebração desta fé em Jesus
Cristo. As pessoas, ao participarem da missa, estão comunitariamente celebrando
o mistério de Jesus, escutando a Palavra e fazendo a memória da sua doação no
pão e vinho, transformados no seu corpo e sangue.
Nos primeiros
dias era estranho presidir a eucaristia olhando os bancos vazios. Até se fazia
o exercício de memória: fulano acostumava
sentar aqui, sicrano lá. Imaginava-se as pessoas ali sentadas. Mas tínhamos
na frente a câmera fria do celular. E devia-se fazer o esforço de novamente
imaginar que do outro lado as pessoas estavam tentando entrar em comunhão,
mesmo sem a presença física, do mistério ora celebrado. Contudo, ficou explícito,
comunidade celebrante sem pessoas não existe. Cada pessoa é importante na vida comunitária.
Fica o desafio, depois desta diáspora, de buscarmos aqueles que se perderam e
não estão encontrando o caminho de volta.
Junto à
presença física está a experiência da fé celebrada comunitariamente. A presença
da pessoa no espaço celebrativo permite que ela experimente aquele momento
integralmente. Ele será único, porque o mistério de Jesus celebrado não se repete.
E a participação da pessoa também é única. Não acontecerá mais na mesma forma.
Terá a oportunidade em outros momentos. Contudo, não mais aquele. E a pessoa
experimenta o momento com as diferentes manifestações do corpo: olhando,
falando, rezando, cantando, gesticulando, silenciando. A celebração eucarística
exprime simbolicamente a fé da comunidade. É a grande articulação de uma
comunidade de fé “re-unida” para celebrar o mistério de Jesus. Sentimos falta
das pessoas vivendo conosco um momento marcante da nossa fé. E isto leva a
valorizar ainda mais a graça de participarmos dos momentos celebrativos da
comunidade. De fato, é uma graça, jamais obrigação.
As restrições têm impedido muitas pessoas de
viverem esta graça. Por isso a comunidade reza por elas e em comunhão com elas.
As redes sociais têm ajudado a manter o diálogo. Usadas de forma criteriosa são
bons instrumentos. Mas não esqueçamos que a vida cristã se faz com pessoas
reais, presentes fisicamente, ocupando um espaço que é sagrado pela presença do
humano e do divino.
Lembro também a
catequese. Muitas comunidades se desafiaram e se empenharam na iniciação à vida
cristã. Quem assumiu o processo há mais tempo estava sentido os resultados. Não
é possível ainda mensurar o grau de dificuldade frente a esta missão importante
da Igreja. Como reação são louváveis as iniciativas de contato com os catequizandos,
lembrando da sua importância para a comunidade e também os ajudando a construir
uma Igreja doméstica que interage com a comunidade. Num futuro próximo seremos
desafiados na criatividade e capacidade de resiliência diante do desafio da
retomada das atividades de catequese, tendo presente que o sacramento acolhido
terá sentido se pessoa estiver convencida do seu significado.
A crise social
e econômica ganhou força no contexto da pandemia. Muitas pessoas estão perdendo
o emprego. Pequenas empresas estão falindo. Não sabemos ainda o que vamos
encontrar em termos de vida social e econômica. É cedo para previsões, porque
não sabemos o processo de avanço da pandemia e quando a superaremos. Contudo
existem fortes indicativos do aumento da pobreza e da miséria. Diante disso
duas atitudes necessárias: a primeira está na articulação social exigindo a
intervenção efetiva e organizada do Estado, dialogando com a sociedade civil,
para que proteja o bem mais precioso, a vida das pessoas. A segunda diz
respeito a organização eclesial para fazer a caridade fugindo da tentação do
espontaneísmo. A caridade organizada e processual tem um poder transformador. É
tempo de potencializar a solidariedade como respostas aos dramas deste tempo. Nisto
lembramos a afirmação do Papa Francisco: “solidariedade significa muito mais do
que alguns atos esporádicos de generosidade, supõe a criação de uma nova
mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos
sobre a apropriação dos bens por parte de alguns”(EG 188). Agora é tempo de
fortalecer a cultura da solidariedade.
Lembrando o
profeta Elias temos um longo caminho a percorrer (1Rs 18,7). Por hora é tempo
do cuidado e atenção para com a nossa vida e a vida do outro. Estamos marcados
pela enfermidade social. Com toda a humildade deixemos que Deus vá cuidando de
nós como cuidou do profeta (1Rs 19,8). Não deixemos de cuidar dos que caíram
como fez o samaritano (Lc 10, 33ss). Em um segundo momento precisamos fazer a
experiência do deserto como o povo de Deus fez antes de entrar na terra
prometida (Ex 13,18); como Jesus fez antes de assumir a missão (Lc 4,1-13). No
deserto enfrentaremos várias tentações quanto ao trabalho futuro. Porém
poderemos descobrir outras possibilidades diante do compromisso de cristãos que
explicitam sua fé a partir da vida comunitária. Por fim, no recomeço das
atividades mais intensas, não sejamos temerosos. Jesus disse aos discípulos
“não tenham medo” (Mt 10,31). Confiemos na força do Espírito Santo e na nossa
capacidade de comprometimento e articulação. Serão dois grandes instrumentos
para retomarmos a caminhada.
Pe Ari Antonio
dos Reis.
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