Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor
Quinta Campanha da Fraternidade Ecumênica
Neste ano de 2021, as Igrejas que compõem o Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC – celebram a quinta Campanha da
Fraternidade Ecumênica – CFE – e mais uma vez, nos falam de paz. O lema:
“Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”, além de uma
verdade bíblica buscada em (Ef 2, 14a), nos impulsiona a enfrentarmos as
milícias da intolerância, do preconceito e da violência. Vivemos um tempo
propício para se viver o cristianismo profético e para sermos cristãos e
cristãs. Talvez o ano de 2020 seja lembrado por este clamor permanentemente
presente pela paz, pelo diálogo e pela unidade das Igrejas Cristãs, como
compromisso de amor e de fidelidade ao Evangelho. O maior e primeiro desafio
que nos espreita, no entanto, é reconhecermos e enfrentarmos profeticamente uma
patologia que cresce como erva daninha: o cristianismo sem Cristo. Usado como
braço político ideológico, sobretudo da extrema direita, mas também da direita
e da centro-direita, essa patologia revela-se ante evangelho, anticristã e,
além de negar a ciência, tem uma índole proselitista e corrupta. Apresenta-se
ainda como forte berço e alimento poderoso da cultura de morte. A partir de
atitudes machistas, homofóbicas, racistas e xenófobas, combate os Direitos
Humanos Fundamentais e banaliza a morte para desta forma, justificar uma
maldição, consentida, é verdade, através do voto, em forma de um governo
corrupto iníquo e necrófilo, por fim. O “cristianismo” sem Cristo está em todas
as Igrejas e em alguns casos se destaca e até é predominante.
O tema da CFE-2021, “Fraternidade e Diálogo:
compromisso de amor”, é um convite para buscarmos em cada uma destas
palavras, o seu significado mais profundo. O que nos tornamos sem a
Fraternidade? Seres egoístas, indiferentes e autossuficientes, incapazes de
chorar e de reconhecer o outro e a outra como irmãos. De sentir as suas dores. O
que somos capazes de fazer quando não reconhecemos o Diálogo como um ato de
amor, como nos lembra o pedagogo e humanista cristão Paulo Freire? Opressores
frios, capazes de reduzir as pessoas á coisas sem valor. Para que serve um
‘cristianismo” que não tem Compromisso com a vida e com a defesa da dignidade
da vida? Para transformar Igrejas em “empresas”, talvez em ONGs ou em
alfândegas, cujo fim são elas mesmas. Tiram, até as carnes dos ossos dos pobres
(ver Mq 3, 1-4), para construir impérios sem escrúpulos e sem qualquer sentido
que não o enriquecimento do malvado que se fantasia de pregador. Em tempos de
tirania já aumentam o nível de exigências e os riscos necessários. Em tempos de
naturalização da tirania como este nosso tempo, ou somos profetas e profetizas
ou seremos apenas idiotas. A paz que Jesus nos ensinou, nos deixou e nos deu,
não é como a paz dos túmulos, mas, antes, é como a paz do Profeta Isaías, fruto
da justiça (Is 32, 15-17). E a justiça, por sua vez, exige-nos luta, coragem e
ousadia.
A paz e sua precursora, a justiça, perpassam como Tema
Gerador de todas Campanhas da Fraternidade Ecumênicas. A começar pela primeira,
no ano 2000, com a mudança de milênio, o tema abordou as questões da falta de justiça,
ao falar de “Novo Milênio sem Exclusões”. Enquanto que o lema: “Dignidade
Humana e Paz”, nos confirma que os laços entre a justiça e a paz, são
duradouros e mesmo inquebrantáveis. Gostaria de ressaltar o significado
profético e a audácia oportuna do Objetivo Geral: “Unir as Igrejas Cristãs
no testemunho comum da promoção de uma vida digna para todos, na denúncia das
ameaças à dignidade humana e no anúncio do Evangelho da paz”. A sintonia
entre o tema e o lema e o objetivo geral, é algo semelhante à atualidade do
tema. Tanto no ano 2000, quanto agora.
A segunda Campanha da Fraternidade Ecumênica aconteceu no
ano 2005, e manteve o tom e a forma. Com o tema: “Fraternidade e Paz”
sabiamente complementado pelo lema: “Felizes os que promovem a paz”,
embora seja buscado nas Bem-Aventuranças, não nos permite tergiversar. Vivemos
um sério problema com relação à paz. O Objetivo Geral, traz a utopia profética:
“Unir Igrejas Cristãs e pessoas de boa vontade na superação da violência,
promovendo a solidariedade e a construção de uma cultura de paz”. O grito
por justiça, paz, solidariedade e compromisso com a dignidade da vida, vai se
tornando um clamor. Sem ele o cristianismo se desfigura. A terceira CFE,
aconteceu no ano de 2010, com o tema: “Economia e Vida”, vem para dá os
nomes de quem exclui, comete injustiça e nos tira a paz. Economia é distribuir
a riqueza gerando desenvolvimento, e não acumulá-la, gerando miséria. O lema: “Vocês
não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24), nos convida a revisitar o
Livro mais citado do Primeiro Testamento pelos Evangelhos. (Dt 30, 19-20). Para
agradar a Deus é preciso saber escolher. É preciso ter discernimento. É preciso
saber escolher a vida. Por vezes, para agradar a Deus, é preciso desagradar à
Igreja, diríamos hoje.
A
quarta CFE, aconteceu no ano de 2016 e teve grande importância naquilo que
talvez seja a maior identidade das Campanhas da Fraternidade: o protagonismo de
leigos e leigas. O tema: “Casa Comum, nossa responsabilidade”, denuncia,
sobretudo, os crimes cometidos por uma economia de morte, que exclui, gera
miséria e mata, inclusive a natureza. Já o lema: “Quero ver o direito brotar
como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24), une a
justiça e o direito, a poesia e profecia. A sintonia com a situação política de
nosso país, vivendo o auge de um golpe que teve a cumplicidade dos três poderes
constituídos; da mídia como quarto poder, sob a ganância das elites e avareza
da classe média; e a disseminação do ódio, alucinógeno para uma população alienada
e com medo. Aqui temos a democracia exilada pelo Congresso Nacional, o Estado
de Direito sequestrado pela Operação Lava Jato e os Direitos Humanos
criminalizados. Enquanto isso, e para que isso seja possível, a Constituição se
torna refém das conveniências e dos interesses de quem deveria dela cuidar e
por ela velar. Os direitos, sobretudo os trabalhistas, conquistados com luta,
sangue e suor, são tratados como privilégios. Precisamos olhar novamente para o
lema da CFE-2016, para entendermos a sua dimensão profética.
A
CFE-2021, em seu Objetivo Geral, “Convida as comunidades de fé e as pessoas de
boa vontade a pensarem, avaliarem e identificarem caminhos para superar as
polarizações e violências através do diálogo amoroso, testemunhando a unidade
na diversidade”. Para entendermos bem este objetivo no tocante à Unidade na
Diversidade, é importante meditarmos sobre o texto (At 2, 1-13). A prática do
ecumenismo também nos exigirá uma
sintonia fina com o Pentecostes. A unidade, assim como o diálogo, o
compromisso, a paz e a justiça, são frutos do Espírito Santo. Precisamos
escutá-lo e deixá-lo agir. Duas propostas didáticas se destacam no Texto Base
da CFE-2021 e precisamos ter sabedoria para entendê-las e as pôr em prática: a
primeira é uma bela metáfora em que somos convidados e convidadas a sermos
pontes. A encurtar as distâncias entre nós, entre nós e os/as irmãos e irmãs
que sofrem. Pontes que aproximam nossos ombros da cabeça de quem chora, sente
fome, sofre preconceito, é discriminado e é oprimido, sobretudo por questões de
raça, de orientação sexual e situação social; a segunda é muito no âmbito
metodológico da proposta didática do Texto Base.
Nos
são propostas quatro paradas: a primeira parada, é para aprendermos a dialogar
com Jesus e os Discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). Assim, aprenderemos a
interpretar as Escrituras e a partir delas, interpretar a realidade atual; a
segunda parada, é, de corações ardendo e de olhos bem abertos, reconhecermos
Jesus como o exegeta do Pai, como Deus misericordioso e que, “A Igreja nasce da
graça misericordiosa de Deus revelada em Cristo (Ef 2, 4-5). Entre nós não pode
haver uns que oprimem e outros que são oprimidos. Não podemos viver como
cristãos, como se Cristo não existisse (ver Ef 2, 11-21). Quem estar com Deus
não desrespeita, não discrimina, não exclui. Não temos mais como negociar com a
graça e vivermos como se não fôssemos batizados (Ef 2, 1-10); a terceira
parada, é para tomarmos consciência de que, Cristo é nossa paz: do que era
dividido fez uma unidade. O ecumenismo, significando, portanto, a unidade das
Igrejas Cristãs, é uma exigência, uma necessidade e uma urgência. Já não é mais
possível ser cristão sem ser ecumênico. E isso exige de nós que superemos as
diversas formas de intolerâncias e tomemos consciência de que somos filhos e
filhas do mesmo Pai e moramos na mesma Casa Comum; a quarta parada, é um
convite a celebrarmos a vitória da vida em comunidade, da diversidade da
liturgia da vida. Celebrarmos, por fim, uma espiritualidade libertadora e
ecumênica o que exige de nós um novo vocabulário, uma nova linguagem e uma nova
hermenêutica. Assim sendo, como nos diz o hino da CFE-2021, “Venham todos,
vocês, meus amigos, caminhar com o Mestre Jesus. Ele vem revelar a Escritura
como fez no caminho de Emaús”. Sugestão de leitura, meditação e reflexão da
Carta aos Efésios, sobretudo o capítulo 2 e o texto sobre os Discípulos de
Emaús (Lc 24, 13-35). Responder a estas perguntas: o que as CEBs não fazem
ainda e que deveriam começar a fazer? Quais são as implicações da CFE-2021 para
os leigos e as leigas?
Curitiba, 25 de
dezembro de 2020.
João Ferreira
Santiago
Professor de
Teologia e Coordenador do
Curso de
Teologia da Faculdade UNINA.
É autor do
livro: Teologia Pastoral a Arte do
Seguimento e do
Discipulado de Leigos e Leigas.
(à venda com o
autor)
joão.ferreira@unina.edu.br
(41) 99865-7349
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