CEBs - OS DESAFIOS DO CRISTIANISMO NA CONTEMPORANEIDADE

 

RUMO AO 8º NORDESTÃO DE CEBs - ARTIGO

Por Comissão de Comunicação CEBs - Regional Nordeste 3 - BA/SE



OS DESAFIOS DO CRISTIANISMO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO:


 o conceito de amor pela Igreja na encíclica “Deus Caristas est” do Papa Bento XVI





 

Arthur Antunes Alves Torre[1]

 

                                                                                                                    

RESUMO

O presente artigo pretende abordar os desafios do cristianismo no mundo contemporâneo destacando o conceito de amor dado pela Igreja, tendo como base a encíclica “Deus Caritas Est” do sumo pontífice Bento XVI. A pergunta que guiou na construção deste artigo foi: Qual a práxis contrária a exclusão deste outro indivíduo na visão do sumo pontífice Bento XVI? Para responde-la o artigo foi estruturado nas seguintes sessões: 1 – Apresentar a unidade dos amores ágape, eros e philia presentes na história da humanidade; 2 – Mostrar um Jesus, ao mesmo tempo, histórico e contemporâneo; e por fim, 3 – Apresentar a Justiça como práxis da Caridade. Portanto, este artigo tem como objetivo demostrar a unidade entre os amores ágape, eros e philia, trazendo ainda um Jesus histórico e contemporâneo nos dando a visão de uma Igreja que mesmo enfrentando desafios busca sempre através da práxis da caridade a justiça. 

 

Palavras-chave: Deus Caritas Est. Filosofia da Religião. Metafísica. Cristologia.

 

 

1.  INTRODUÇÃO      

            Sabe-se que o ser humano é constituído de corpo e alma na visão cristã, e que muitas vezes a inclinação para a ação corpórea, tende este ser humano à uma ação de exclusão para com o outro indivíduo. Portanto, na encíclica Deus Caritas Est desenvolvida pelo sumo pontífice, o Papa emérito Bento XVI, ainda em vigor do seu poder papal no ano de 2006, escreveu a toda a comunidade católica, no intuito de contribuir na construção de uma sociedade em que não haja exclusão.

            Na primeira sessão deste artigo iremos ver além da unidade dos amores ágape, eros e philia presentes na história da humanidade, veremos também o conceito de cada um já afirmará o Papa Bento XVI [2]: "É o amor que dá a vida, por isso a Igreja é convidada a difundir no mundo a caridade de Cristo, para que os homens e os povos tenham vida e a tenham em abundância”. A Igreja deve ser discípula e missionária deste amor. É trazer para o nosso contexto cristão o verdadeiro significado do amor eros, ágape e philia mostrando que unidos nos levam ao Divino, e separados nos levam a perdição e a desgraça do corpo e da alma.

            Na sessão seguinte o artigo, nos convida por meio do Livro “O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré” do autor Juan Luis Segundo[3], a aprofundar mais na história cristã na medida em que o cristianismo se reporta a Jesus de Nazaré, que nos leva a questionar “Quem foi Jesus? e Quem é Jesus?”. 

            E por fim, a terceira e última sessão irá tratar dos principais desafios do cristianismo no mundo contemporáneo que são inúmeros. Isto nos obriga a sermos humildes e reconhecer a complexidade do real. Nenhuma ciência hoje dá conta do real. Por isso, nossa intenção é apontar alguns desafios que nos ajudem a refletir o papel do cristianismo no início deste novo milênio. Estamos apenas em seus inícios, mas temos que pensar mais adiante. Somos, simultaneamente, galinha e águia segundo Leonardo Boff[4].

Na tradição do Vaticano II, não podemos nos esquecer que: “As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração.” E é através deste espírito de esperança é que nós buscamos através da justiça praticar a caridade como bem entre as pessoas.

 

2. A UNIDADE DOS AMORES EROS, ÁGAPE E PHILIA PRESENTES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

O termo “amor”, uma das palavras mais usadas e das que mais se abusa no mundo de hoje, tem um enorme campo semântico. Nessa multiplicidade de significados surge, todavia, como arquétipo do amor por excelência, aquele existente entre o homem e a mulher, que na antiga Grécia tinha o nome de “eros”. Esse mesmo amor, colocando-se na natureza do ser humano por seu próprio Criador, tem necessidade de disciplina, de purificação e de maturidade para não perder sua dignidade original e não ser degradado a puro “sexo”, convertendo-se em mercadoria.

 

[...] o Antigo Testamento opôs-se com a maior firmeza, combatendo-a como perversão da religiosidade. Ao fazê-lo, porém, não rejeitou de modo algum o eros enquanto tal, mas declarou guerra à sua subversão devastadora, porque a falsa divinização do eros, como aí se verifica, priva-o da sua dignidade, desumaniza-o (BENTO XVI, 2006. p. 10 – grifos do autor).

 

A fé cristã considerou sempre o homem como um ser em que espírito e matéria se interpenetram mutuamente, alcançando assim uma nobreza toda nova. Desse modo, o “eros” pode elevar o ser humano em “êxtase” [5]até o Divino.  É visível que “eros” e “ágape” nunca sejam totalmente separados um do outro. Pelo contrário: quanto mais em equilíbrio estiverem, evidentemente em dimensões diversas, melhor se realizará a verdadeira natureza do amor.

 

O eros sem ágape é um amor romântico, mas comumente passional, até violento. Um amor de conquista, que reduz fatalmente o outro a objeto do próprio prazer e ignora toda dimensão de sacrifício, de fidelidade e de doação de si. Não é preciso insistir na descrição desse amor, porque se trata de uma realidade que temos todo dia diante dos nossos olhos, propagandeada com estrondo pelos romances, filmes, novelas, internet, revistas. É o que a linguagem comum entende, hoje, com a palavra “amor” (BENTO XVI, 2006. p. 18).

 

Dessa forma, Jesus Cristo, que é o amor de Deus encarnado na visão cristã, o “eros” - “ágape” alcança a sua forma mais radical. Ao morrer na cruz, Jesus, entregando-se para elevar e salvar o ser humano, expressa o amor na sua forma mais sublime. Jesus assegurou a presença duradoura desse ato de oferecimento através da instituição da Eucaristia, na qual, sob as espécies do pão e do vinho, o corpo e o sangue, entrega-se a nós como um novo maná que nos une a Ele.

Na segunda parte do seu livro Bento XVI, apresenta o amor pelo próximo numa visão Cristo Centrica, enraizado no amor de Deus, além de ser uma obrigação para cada fiel, é também um dever como nos mostra o sumo pontífice para toda a comunidade eclesial, que em sua atividade caritativa deve refletir o amor trinitário. De acordo com a Apostolorum Sucessores [6](2004):

 

[...]. Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência. [...]. A Igreja é a família de Deus no mundo. Nesta família, não deve haver ninguém que sofra por falta do necessário (PAULO VI apud BENTO XVI, 2006, p. 42)

                                                                                      

A beleza e a plenitude da vida consagrada depende da qualidade do nosso amor por Cristo. É só o que pode nos defender dos altos e baixos do coração. Jesus é o homem perfeito; nele se encontram, em grau infinitamente superior, todas aquelas qualidades e atenções que um homem procura numa mulher e uma mulher no homem. O amor dele não nos elimina necessariamente a sedução das criaturas e, em particular, a atração do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atrações com uma atração mais forte. “Casto”[7], escreve São João Clímaco, “é quem afasta o eros com o Eros”.[8]

Com isso, vimos que as três maneiras de amor formam um conjunto inseparável na história da humanidade. A filia participa da força do eros. E também o ágape precisa do eros, caso contrário se esvazia. O ágape está presente no amor erótico e amigo. Torna se então um amor puro e límpido.  Amor que dá sentido para a vida. Novamente nas palavras de Bento XVI:

 

Deus é absolutamente a fonte originária de todo ser; mas esse princípio criador de todas as coisas é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor. Desse modo, o eros (também a filia) é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão purificado que se funde com o ágape (BENTO XVI, 2006. p.34).

 

 

3. JESUS, AO MESMO TEMPO HISTÓRICO E CONTEMPORÂNEO

 

3.1. Cristianismo: um fato histórico

 

            O cristianismo conta com quase dois mil anos de existência. Despontou num contexto cultural, social, político e econômico totalmente diverso do nosso. As modificações desde então surgidas, principalmente aquelas que têm que ver com o nosso século quase a expirar, são verdadeiramente avassaladoras. Por causa disso muitas pessoas desacreditam da atualidade do cristianismo face às novas práticas. Sendo um episódio histórico o cristianismo, é a forma histórica que o movimento de Jesus assumiu[9].

      Vivemos em sua forma ocidental, vemos um Jesus com traços romanos e nos perguntamos se ele tem potencial para se encarnar em outras culturas, tanto na América Latina e Caribe, como também nas culturas da Ásia e da África. Esta afirmação de ser um fato histórico implica em que

[...] a Cristologia[10], o estudo do próprio Jesus, de sua pessoa, desta pessoa que viveu outrora sobre a terra do imperador Tibério, deve preceder a todas as questões referentes à sua significação e a toda a Cristologia. A soteriologia [11]deve decorrer da Cristologia e não o contrário. Caso contrário, a própria fé na salvação perde sua base... A Cristologia deve partir do Jesus de outrora e não de sua significação para nós, tal como, por exemplo, nos apresenta a pregação. A significação de Jesus deve ser explicada a partir do que Jesus foi realmente[12] (PANNENBERG, W. 1971, pp.50-51).

 

Isto significa concretamente que Jesus é a fonte de todas as significações, desta forma, o cristianismo refere-se a Jesus de Nazaré e reflete a partir de sua vida, sua prática, sua mensagem, sua morte e sua ressurreição, legitimada pelos apóstolos e seus seguidores. É este testemunho que nos liga ao Jesus Histórico, pois sem a ressurreição, a imagem histórica de Jesus se perderia na poeira do tempo. Neste sentido, dependemos da fé dos primeiros apóstolos, como nos afirma o autor Juan Luís Segundo:

Quem quiser, portanto, entrar no domínio da significação de Jesus de Nazaré, quer dizer, no das cristologias, deverá confiar que os discípulos de Jesus são sinceros quando nos asseguram terem tido realmente a certeza de ter visto Jesus depois de sua morte, cheio de vida, e se sentem obrigados, portanto, a tirar importantes consequências dessas experiências para interpretá-lo [13](SEGUNDO, J.L., 1985, p. 267).

 

3.2. Jesus: histórico e contemporâneo.

 

            O que se anuncia deve levar em consideração que Jesus é, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo. Nos questionamos Quem é Jesus? e Quem foi Jesus? tais questionamentos nos levam a refletir que este mesmo Jesus é o Filho de Deus, que morreu pelos pecados de todo o mundo, ressuscitou e continua vivo até hoje. Ele é Deus mas também foi um homem e viveu na terra durante cerca de trinta anos. Jesus mudou o mundo.

Histórico, pois sua história não é aleatória, mas deve ser fiel ao testemunho Jesuânico. A Bíblia diz que Jesus é Deus revelado em forma humana ao mundo. Ele veio para nos salvar, porque não conseguimos pagar o preço de nossos pecados. Essa foi sua grande missão na terra, levar o castigo de nossos pecados em nosso lugar. Mas a história de Jesus não acabou na cruz. Ele ressuscitou e continua vivo até hoje! No dizer de Jean Onimus, deve-se:

[...], recolocar Jesus em primeiro lugar, vê-lo viver; ouvir, enquanto ainda for possível, o tom de sua palavra, suas cóleras, suas impaciências, mas também seus momentos de afeição e de piedade... Não mais um Deus visitando a terra (...), mas um ser totalmente humano que vem nos revelar – exatamente por ser humano – o que há de totalmente-outro no fundo de nós, o que há, talvez, efetivamente de divino[14]( ONIMUS, J., 1999, p.28).

Na medida em que o cristianismo se reporta a Jesus de Nazaré, levando a sério sua encarnação tal como o documento Gaudium et Spes nos mostra, ao afirmar que “Jesus trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana e amou com coração humano[15], tomamos consciência de que a realização do ser humano se realiza no agir histórico e que é no seu interior que os seres humanos se encontram com Deus, se realizam e se aproximam de Deus. Como nos afirma E.Schillebeeckx:

Deus se revelou em Jesus, conforme a concepção cristã, valendo-se do não-divino do seu ser homem... Jesus partilhou conosco na cruz da fragilidade de nosso mundo. Mas este fato significa que em sua absoluta liberdade e antes de todo tempo, Deus determina quem e como quer ser no seu ser mais profundo, a saber, um Deus dos homens, companheiro de aliança em nosso sofrer e em nossa absurdidade, e companheiro de aliança também no que realizamos de bem. Ele é, em seu próprio ser, um Deus por nós [16](SCHILLEBEECKX, E. 1994, pp. 166-168)

 

O Jesus Contemporâneo, isto é, compreensível para as pessoas, inserido nas culturas dos diferentes povos, cujo projeto possa ser retomado. Deve ser compreensível nos cantos, nas imagens, na liturgia para poder ser seguido. Esta tem sido a dinâmica vivida pelas comunidades, cristãs no decorrer da história e hoje não pode ser diferente, com o risco de tornar os evangelhos documentos puramente arqueológicos. É aqui que se insere a importância das cristologias, pois “o cristianismo é o movimento histórico que carrega a fé em Jesus Cristo, que a cristologia explicita. E a cristologia aprofunda a fé que impulsiona historicamente o cristianismo em meio às contingências humanas”[17]. Isto significa dizer que as cristologias que explicitam a fé cristã trabalham com a história de Jesus e com a realidade das comunidades concretas com seus diferentes contextos sócio históricos e culturais. Isto aconteceu com as primeiras comunidades cristãs também, como nos relata Jon Sobrino ao afirmar que:

[...] na situação atual as diversas igrejas se confrontam com a mesma tarefa, a não ser que se conformem com a repetição das fórmulas dogmáticas, atitude apenas na aparência mais ortodoxa... O fato de o dogma ter colocado limites claros à direção do desenvolvimento da cristologia não suprime, em absoluto, o esforço de cada comunidade em tornar concreto, quer dizer, real o significado universal de Cristo expresso no dogma[18] (SOBRINO, J., 1983, pp. 37-38).

 

Na verdade, este é o esforço de fazer-se Jesus contemporâneo. Este é o zelo da hermenêutica[19], pois a pura repetição das fórmulas dogmáticas pode, no decorrer da história passar pelo processo de um esvaziamento significativo e não mais conseguem reproduzir a experiência primitiva que originou a afirmação ortodoxa[20].

Por isso, o cristianismo sempre se refere a Jesus de Nazaré. Como um fato histórico. Vivendo sempre os conflitos das interpretações. Isto faz parte de toda a história do cristianismo. Há tensões presentes nas definições dos Concílios reveladas pelas controvérsias cristológicas, sempre ligadas aos contextos sócio históricos. É o preço que o cristianismo paga por sua historicidade e contemporaneidade.

 

4. JUSTIÇA COMO PRÁXIS DA CARIDADE

4.1 Desafios advindos do sentido da vida

 

            Nossa fé cristã se enraíza em Jesus de Nazaré, proclamado o Cristo, o Senhor do universo. Nele temos o sentido da vida e da história (cf. Jo 14,6). A grande questão é: como anunciar o sentido da vida para aqueles que não têm vida? Como o cristianismo poderá ajudar as pessoas a encontrarem sentido para vida diante de tanta miséria, fome, violência, desrespeito às pessoas e destruição da natureza? Em todos os momentos de crise na história do cristianismo, se voltou a Jesus de Nazaré, fonte de todas as significações.

         Para que o cristianismo tenha futuro e possa dizer algo à humanidade é necessário voltar ao Jesus de Nazaré e voltar a beber de sua prática:

 

O encontro com o Jesus histórico tem força revivificadora do Cristianismo, não por meio de uma volta fundamentalista, nem cópia material, mas releitura do conjunto da obra de Jesus para a sociedade atual. Tarefa ingente e nunca concluída... A chance maior do Cristianismo não virá de seu conteúdo doutrinal – ele mesmo maravilhoso –, nem da eficiência organizativa das atuais formas de Igreja, mas da maneira como as comunidades viverão os valores do futuro da humanidade: solidariedade, paz, convivialidade humana, esperança nas tribulações, fé-confiança no ser humano malgrado as terríveis decepções e perversidades [21](LIBANIO, J.B., 2007. p. 134. 135).

 

Como a missão do cristianismo é fundar comunidades, cremos que o maior desafio é a fundação de comunidades consequentes com sua prática. Esta é a melhor maneira de pregar Jesus.

 

 

4.2 O papel do cristianismo no mundo excludente

           

O cristianismo bebe da tradição bíblica exodal, onde Deus é apresentado como aquele que liberta seu povo das garras da opressão (Ex 3,7-10; 20,2) e se enraíza também na tradição que remonta a Jesus de Nazaré com a boa notícia para os pobres e excluídos de seu tempo, anunciando-lhe a vida e vida em abundância (Jo 10,10). Na tradição da mensagem social da Igreja, notamos também a defesa dos direitos humanos (direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação, à informação, ao lazer). Mas como passar dos princípios para a execução destes direitos especialmente em relação aos pobres? Como traduzir, no hoje de nossa história, a afirmação de Santo Irineu: “A glória de Deus é o ser humano vivo”? Dom Oscar Romero traduziu tal afirmação na América Latina e Caribe por: “A glória de Deus é a vida do pobre”!

A democracia pareceria ser o caminho para a construção de uma sociedade justa e sem exclusão. Bento XVI afirma que este é o papel da política: “A justa ordem da sociedade e do Estado é a tarefa principal da política... A justiça é o objeto e, portanto, também a medida específica de toda política”[22]. Hoje, porém, há uma mazela da política, pois o Estado está nas mãos do poder econômico. Entretanto, há um processo de participação pelo mundo todo, traduzido no Fórum Social Mundial, que vai exigindo uma radicalização da democracia:

 

Trata-se de um novo paradigma, no qual o “poder sobre” os outros, que com frequência acompanha o desenvolvimento das atividades sociais, políticas ou técnicas, esteja internamente animado e controlado pela construção do “poder com” eles. Trata-se de radicalizar os processos democráticos substituindo relações de poder unidirecional por relações de autoridade compartilhada. [...]. Não somente no espaço público, mas também na família, na rua, na escola, no trabalho. E de forma especial na relação homem-mulher, que os penetra transversalmente (BONAVIA, P., 2007, p 11-12).[23]

 

Uma das marcas fundamentais do cristianismo é a defesa que faz da pessoa humana. No batismo, base de todo ecumenismo, há a afirmação da igualdade entre todos e todas (Gl 3,26-28). Contribuir na construção desta sociedade igualitária, solidária, fraterna, de partilha é a missão do cristianismo: “O futuro da humanidade e do Cristianismo está na construção de uma sociedade em que os pobres tenham lugar e a longa ideologia do anti-igualitaríssimo seja superada pelo espírito de comunhão, de participação e de solidariedade.”[24]

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A pesquisa realizada apresentou alguns aspectos fundamentais da unicidade dos amores ágape, eros e philia contidos na encíclica “Deus Caritas Est” do Papa emérito Bento XVI. Num primeiro momento, fica claro o objetivo do papa emérito, que pretende explicar de forma clara o objetiva e a importância da união entre esses amores na vida da Igreja e de todos os cristãos.

Num segundo momento, o livro de Juan Luís Segundo, veio tratar da forma que o ser humano de exercer a liberdade “dentro”, em meio ao amor. O ser humano só é capaz de ser livre amando, o autor acredita que há a exigência de uma profunda mudança antropológica. De acordo com ele “a existência do homem diante da história, criador de caminhos dentro do grande projeto divino do reinado sobre a terra do Deus que é amor, deve ter uma nova ética”.[25] E esta nova ética deve ser pautada no amor, mas um amor que tem uma moral.

E por fim, no terceiro momento, vendo as inúmeras dificuldades do cristianismo no mundo contemporâneo, vimos que um dos principais problemas é a exclusão do outro na sociedade, o que nos obriga a sermos humildes e reconhecer a dificuldade do real. Nenhuma ciência hoje dá conta do real. Por isso, como dito na terceira sessão nossa intenção foi apontar alguns desafios que nos ajuda-se a refletir o papel do cristianismo no início deste novo milênio.

Portanto, todas as questões abordadas neste trabalho podem ser resumidas em algumas ideias centrais: [1] o sacrifício de amor, à luz do sacrifício de Cristo, “ontem, hoje e sempre” é a postura mais humana dos seres humanos, e a mais cristã dos cristãos; [2] O homem somente é criador quando, à semelhança de Deus, e participando na vida divina, ama e cria condições favoráveis para o amor; [3] A Igreja deve ser continuadora da missão de Jesus no mundo de hoje e sua relação com as pessoas. Só assim poderá oferecer bem a sua missão ao mundo de hoje e poderá orientar o ser humano nos seus anseios mais profundos na construção de um mundo novo.

 

6. REFERÊNCIAS

 

As duas faces do amor: “eros” e “ágape”. Disponível em: https://www.rccbrasil.org.br/espiritualidade-e-formacao/palavra-do-papa/628-as-duas-faces-do-amor-eros-e-agape.html. Acesso em 30 set. 2019.

 

BENTO XVI, Papa. Luz do mundo: o Papa, a Igreja e os sinais dos tempos: uma conversa com Peter Seewald. 1. ed. São Paulo: Paulinas, 2011.

 

CARITAS IN VERITATE. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate.html. Acesso em: 18 out. 2019

 

DEUS CARITAS EST. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_Caritas_Est. Acesso em 29 set. 2019.

 

“DEUS É AMOR”, primeira encíclica de Bento XVI. Disponível em: https://opusdei.org/pt-br/article/deus-e-amor-primeira-enciclica-de-bento-xvi/. Acesso em 29 set. 2019

 

IGREJA CATOLICA, Papa (2005 – 2013: Bento XVI). Carta Encíclica Deus Caritas Est do Sumo Pontífice aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis leigos sobre o amor cristão. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2006. (A voz do Papa,1819).

 

LIVRE-ARBÍTRIO E AÇÃO MORAL EM AGOSTINHO. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/18382/1/Edevilson%20de%20Godoy.pdf. Acesso em 20 out. 2019

 

SEGUNDO, Juan Luis. O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré: história e atualidade, Sinóticos e Paulo. São Paulo: Paulinas, 1985. v. 2, T.1.



[1] Estudante do Curso de Bacharelado em Filosofia

Instituto Santo Tomás de Aquino - ISTA

[2]  Foi papa da Igreja Católica e bispo de Roma de 19 de abril de 2005 a 28 de fevereiro de 2013, quando oficializou sua abdicação. Desde sua renúncia é Bispo emérito da Diocese de Roma. Foi eleito, no conclave de 2005, o 265º Papa, com a idade de 78 anos e três dias, sendo o sucessor de João Paulo II.

[3]  Padre católico jesuíta e teólogo uruguaio, considerado o maior expoente da Teologia da Libertação na América Latina. 

[4] Teólogo, escritor, filósofo e professor universitário brasileiro e simpatizante do socialismo, expoente da teologia da libertação no país e conhecido internacionalmente por sua defesa dos direitos dos pobres e excluídos. 

[5] Estado de quem se encontra como que transportado para fora de si e do mundo sensível, por efeito de exaltação mística ou de sentimentos muito intensos de alegria, prazer, admiração, temor reverente etc.

[6] Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos, feito por João Paulo II no ano de 2004.

[7] Aquele que guarda castidade; que se abstém de prazeres sexuais.

[8]  S. João Clímaco, A escada do paraíso, XV,98 (PG 88,880).

[9] Cf. LIBANIO, J.B., Qual o futuro do cristianismo? São Paulo, Paulus, 2006, p. 17.

[10] Estudo da personalidade, história e doutrina de Cristo.

[11] Doutrina da salvação da humanidade por Jesus Cristo.

[12] PANNENBERG, W., Esquisse d’une christologie, Paris, Cerf, 1971, pp. 50-51.

[13] SEGUNDO, J.L., O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré, II/1, São Paulo, Paulinas, 1985, p. 267.

[14] ONIMUS, J., Jésus en direct, Paris, Desclée de Brouwer, 1999, p. 28.

[15] Cfr. Paulo VI. Encíclica Gaudium et Spes. São Paulo: Paulinas, 1965, p.41.

[16] SCHILLEBEECKX, E., História humana, revelação de Deus. São Paulo, Paulus, 1994, pp. 166-168.

[17] LIBANIO, J.B., Op. Cit., pp. 18-19.

[18] SOBRINO, J., Cristologia a partir da América Latina: Esboço a partir do seguimento do Jesus histórico, Paulinas, Vozes, 1983, pp. 37-38.

[19]  É um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode se referir tanto à arte da interpretação quanto à prática e treino de interpretação.

[20] Aplica-se a duas famílias de Igrejas cristãs, que não estão em comunhão com a Igreja Católica e que nem estão em comunhão entre si desde o tempo do Concílio de Calcedónia em 451.

[21] LIBANIO, J.B., Op. Cit., p. 134. 135.

[22] BENTO XVI, Deus é caridade, no. 28.

[23] BONAVIA, P., Op. Cit., p 11-12.

[24] LIBANIO, J.B., Op. Cit., p 153.

 

[25] SEGUNDO, Juan Luis. O Caso Mateus. Os primórdios de uma ética judaico - cristã. p. 265


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